"O Mundo acorda e adormece sem que ninguém o embale.


Ainda assim, estou disposta a oferecer-lhe a minha canção."




sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Audição ao Ministro da Economia e do Emprego sobre o Plano Estratégico de Transportes

Senhor Ministro
Este documento que apresentou depois de todas as peripécias conhecidas está muito longe de poder ser considerado um Plano Estratégico de Transportes. E de mobilidade sustentável apenas tem o sub-título.
1)         Mas comecemos exactamente pela marca ideológica
O Governo revelou a sua “visão de vistas curtas” de quem encara os serviços públicos numa óptica assistencialista marcadamente ideológica, nesta deriva de liberalismo selvagem nunca antes vista em Portugal, mesmo na direita mais radical.
Diz o Senhor Ministro que tem um conjunto de opções resultantes da consciência de que os recursos públicos são limitados e que essa consciência convida à coragem.
Não senhor Ministro, não conseguimos ver coragem neste documento.
A regra é fechar, desde a linha de Leixões até à linha do Alentejo… Tem uma visão de aterradoras consequências para os cidadãos.
O que está presente não é sequer uma lógica de utilizador-pagador. É uma lógica de encerramento de serviços de autocarro e ferroviários, é uma lógica de despedimentos, é uma lógica de aumentos brutais de preços de transportes.
Coragem só se for para prejudicar os do costume. Isto não é respeito pelos contribuintes. Isto é, no mínimo, falta de respeito pelos cidadãos.
2)         Transporte público de passageiros
A visão de acabar com o serviço público e a lógica de submissão absoluta e redutora às questões financeiras está bem patente na análise da situação actual que fazem do transporte público de passageiros.
Conseguem escrever 16 páginas (quase 20% do documento) sobre as empresas públicas de transportes em que apenas fazem referência a passivo, capitais próprios negativos e a um alegado excesso de oferta global.
E a qualidade da oferta? E a qualidade do material circulante? E a qualidade do serviço? E as pessoas?
Sabe Vossa Excelência que só há bem pouco tempo atingimos níveis de qualidade próximos da média europeia e apenas nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto?
O Senhor Ministro considera que em matérias de serviço público, concretamente nos transportes, a avaliação deve ser feita exclusivamente com base em indicadores financeiros? E as pessoas?
3)         Estancamento do endividamento
Actividade de investimento
Sabemos bem que existe uma situação insustentável no endividamento das empresas públicas e que o Estado não tem honrado os seus compromissos, principalmente a nível do investimento.
Aliás, relembro a intervenção de um historiador na cerimónia de comemoração dos 150 anos do caminho-de-ferro em Portugal. A história da dívida do caminho-de-ferro em Portugal é uma história com 150 anos. Quando D. Carlos inaugurou a linha até ao Cartaxo ficou logo a dever.
E por isso há uns anos que se tem vindo a fazer um esforço de contenção do endividamento, com planeamento e com contratos de gestão com os gestores públicos.
Mas é necessário ir mais longe. E as crises têm que ser encaradas como oportunidades, até porque os responsáveis pelas finanças ficam mais sensíveis à resolução dos problemas.
Aliás os critérios para a actividade de investimento que constam neste coincidem com as expressas nas Orientações Estratégicas para o sector. O problema é a concretização. Na realidade os investimentos em curso seguem esses critérios. Desejamos ao Senhor Ministro os maiores sucessos na negociação com o Senhor Ministro das Finanças.
Mas mesmo aqui, não considera o Senhor Ministro que também deveria, para além das infra-estruturas, falar de material circulante, bilhética, informação ao público, enfim, de matérias de transporte?
Actividade de financiamento
Está cheio de declarações de princípio, mas no que toca a medidas em concreto é só paragem de obras, encerramento de linhas, diminuição de oferta e despedimentos
O Governo está a estudar um conjunto de soluções para melhorar a gestão do stock de dívida a cargo do SEE de transportes públicos terrestres e da infra-estrutura ferroviária e dos encargos financeiros decorrentes?
Quem está a estudar? Quais são essas soluções? Quando são apresentadas? Qual é a poupança ou encargo para o Estado? Quando estarão concretizadas?
4)         Programa de equilíbrio operacional
1ª fase – Reestruturação do SEE
Objectivo: atingir um EBITDA equilibrado no final de 2012. Vamos conseguir em Portugal o que não se consegue em nenhum País…
Este programa é profundamente ideológico: vai pelo caminho mais fácil, acabar com os transportes, com o emprego e com a contratação colectiva e subir as tarifas.
As perguntas são as seguintes:
- Qual é a poupança com a reorganização do SEE?E quando?
- Qual a redução de custos com pessoal? E quando?
- Quantos trabalhadores é que irá mandar para o desemprego em cada empresa? E quando? O Senhor Ministro sabe concerteza que em todas as empresas públicas têm vindo a ocorrer, nos últimos anos, significativas reduções de pessoal…
- Quais são as alterações que irá efectuar nos acordos de empresa?
- Qual é a diminuição da oferta de transportes que vai fazer e onde e quando? Quais as ligações que vai fechar? É verdade que vai fechar a ligação fluvial ao Seixal, por exemplo? Vai fazer reduções de 15% na oferta em Lisboa e de 10% no Porto? E sempre com critérios de natureza financeira? E já agora deixe-me dizer-lhe que a CARRIS reestruturou recentemente a sua rede, ou será que não conhece a rede 7?
- Quais são as receitas extra-exploração que vai obter e quando?
- Quais são os aumentos tarifários e quando?
- Vai continuar a não utilizar o tarifário como instrumento de regulação da procura?
- Qual o impacte financeiro do encerramento de todas as linhas e serviços ferroviários de Norte a Sul? E qual o impacte económico nas regiões que servem? O senhor que gosta tanto de criticar as dezenas de antecessores que teve, diga lá Vossa Excelência quais foram os estudos sócio-económicos que fez, quais são os autores e quando os envia à AR?
- Quanto ao transporte flexível, concordando nós com as dissertações genéricas que são feitas, gostaríamos de saber onde e como serão concretizados? Quanto custa? Quem paga?
Mas senhor Ministro, como se podem encontrar oportunidades em tempos de crise, não lhe ocorreu que poderia alterar o paradigma de financiamento dos transportes ao invés de encerrar, encerrar, despedir e encarecer?
E que tal um novo modelo de financiamento, cujas portas foram abertas pela Lei nº 1/2009 que cria em definitivo as Autoridades Metropolitanas de Transportes de Lisboa e do Porto?
As duas vias para alterar de forma sustentável e permanente o modelo de financiamento dos transportes são: aumentar a procura (e o senhor tudo fará para que isso não aconteça, reduzindo a oferta e aumentando os preços) e encontrar mecanismos de apropriação para o sistema de transportes dos benefícios económicos gerados pelo próprio sistema. E a lei 1/2009 permite-lhe fazer isso em coordenação com as Autarquias. Porque não reverter para o sistema de transportes parte das receitas do ISP e dos Impostos sobre o Património?
Portanto, acabar com o serviço e penalizar as pessoas é uma opção ideológica deste governo.
2ª fase – Abertura à iniciativa privada
O Senhor Ministro limpa o sistema, faz uma purga nos trabalhadores, assume a dívida em nome dos contribuintes e depois entrega as empresas aos privados.
Sobre a abertura aos privados, em si mesma, não temos definitivamente uma posição nem contra nem a favor, mas não entendemos com base em quê afirma que os níveis de eficiência das empresas públicas estão abaixo das privadas. Quais são os estudos que fez? Quem os fez? E quando nos envia esses estudos?
O que queremos saber também é qual o impacte financeiro e sobre o emprego desta medida?
Queremos também saber se já concertou estas medidas com as Autarquias das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, pelo menos no âmbito das Autoridades Metropolitanas de Transportes?
E, já agora, já concertou com as Autarquias a transferência de competências? E já acordou as verbas que também necessariamente serão transferidas?
É que, sabe Senhor Ministro, em Portugal existe o poder central e o poder local….
5)         Sistema marítimo-portuário
Ficamos satisfeitos pelo reconhecimento feito ao trabalho dos últimos anos traduzido essencialmente pela continuidade da política.
Mas, ainda assim, gostaria de colocar algumas perguntas:
- Quanto à alteração do modelo de governance. O novo modelo terá em conta o modelo landlord port de cada porto, o modelo de co-opetition na relação entre portos e a necessidade de articulação com o tecido empresarial regional, tão distinto de região para região no país? Quem está a fazer esse estudo? Quais as vantagens financeiras e económicas do novo modelo? Quando será concretizado?
- Quanto à actividade portuária e trabalho portuário. Tem Vossa Excelência conhecimento que a maioria PSD/CDS-PP rejeitou em 2009 a nossa proposta de Lei dos Portos que acolhia as suas preocupações?
- O que defende para o trabalho portuário?
- Quanto ao investimento nos portos. Devo confessar que esta lista mais parece as listas dos velhos PIDDAC’s, mas ainda assim gostaria de fazer algumas perguntas:
- Viana do Castelo – O que vai fazer com os acessos, uma vez que esses são os principais condicionantes ao seu crescimento?
- Aveiro – E as acessibilidades marítimas? E a electrificação da linha férrea?
- Lisboa – Vossa Excelência que é tão publicamente contra projectos megalómanos, sem prejuízo da nossa opinião sobre o assunto, quais as acessibilidades rodo e ferroviárias ao Terminal da Trafaria? Onde estão os estudos de viabilidade física e sócio-económica? Como chegam os contentores a Lisboa? Com uma nova ponte ou túnel? Teve em conta a capacidade instalada na região e no País? Quanto custa? É para fazer ou é só uma declaração de estado de alma?
- Setúbal – Conheço bem o projecto de expansão do terminal da SAPEC, tive com o Dr. Eduardo Catroga várias reuniões sobre o assunto. Gostaria de saber se a solução adoptada salvaguarda a área de expansão do porto, ou seja, irá ser adoptada a solução resultante do grupo de trabalho criado para estudar o assunto? E as acessibilidades marítimas para passar os fundos para -12.5 em qualquer maré, porque não foram contempladas quando são essenciais para acolher navios porta-contentores importantes para viabilizar o terminal multiusos?
6)         Logística e mercadorias
Estimo muito em saber que Vossa Excelência dará continuidade ao trabalho anterior, num espírito de aposta na iniciativa privada e de modernização e simplificação administrativa, com a janela única logística, tal como estava previsto no Portugal Logístico.
Quanto ao transporte ferroviário de mercadorias, apenas tenho três coisas a dizer:
- Primeira – O Senhor apenas vai avaliar. Diga-nos, por favor, quando vai acabar a avaliação? E, já agora, quanto ao transporte rodoviário de mercadorias, tem alguma coisa a dizer?
- Segunda – Alta Velocidade. Este governo, como qualquer outro, tem a legitimidade democrática para decidir o que entender, independentemente de concordarmos ou não sobre a melhor solução. Mas ó Senhor Ministro diga lá afinal, por favor, qual a sua solução? Como compatibiliza com o Programa Connecting Europe apresentado pelo Presidente da Comissão Europeia a semana passada? Quais os estudos de viabilidade económico-financeira da sua solução? É que não se deve dizer que não se acredita nos estudos dos outros e depois fundamentar as suas próprias decisões  feelings… nos envia esses estudos? Quem os fez? Quanto custa? Quando faz o debate público da solução como foi feito em 2008? Quando encarrega o LNEC, como foi feito, de comparar soluções? Senhor Ministro, a bem da transparência diga lá como é?
- Terceira – Regulação. Não acha que vai a um pormenor incompatível com as ideias vagas do resto do documento. E nem sequer fala de interoperabilidade….
7)         Transporte aéreo
Faz uma declaração de intenções. Qual o modelo e processo de privatização da TAP e da ANA? Qual a expectativa de encaixe? Quando se concretiza? Como salvaguarda no caderno de encargos as questões relacionadas com o hub nacional e de Lisboa?
8)         Governance e Regulação
Quando? Quais as poupanças? Quais os despedimentos? Qual o destino da descentralização?
9)         Comentários finais
Senhor Ministro, lamento dizer-lhe mas o que nos trás aqui não é nem um plano estratégico nem de transportes e muito menos de mobilidade sustentável.
Não segue a metodologia dos instrumentos de ordenamento do território. Não tem objectivos estratégico ou específicos de cada sector, nem operacionais. Não estabelece cenários de crescimento. Não propõe medidas, metas financeiras, temporais ou de qualidade. Não tem uma avaliação financeira do plano. Não tem uma metodologia de execução, acompanhamento da execução e de avaliação. Não fixa os instrumentos para a sua execução.
Pedimos ao governo que reveja o PET e exigimos que seja feita consulta pública. Se não for feita consulta pública faremos um requerimento para que a Comissão Parlamentar de Economia e Obras Públicas proceda às audições necessárias. Se esse requerimento não for aprovado, essas audições serão levadas a cabo pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Com este documento (muito para além da TROIKA) o Governo feriu de morte os princípios subjacentes a uma verdadeira mobilidade sustentável como instrumento de política social, de política de cidades, de política ambiental, de política energética e de política económica. Matérias que aliás ignora em todo o documento.
Constitui uma declaração de guerra aos sistemas de mobilidade, ignora tudo o que seja ordenamento do território, ambiente, alterações climáticas e política energética, segurança…
O que o Senhor Ministro aqui tem é um conjunto de ideias boas e originais. Infelizmente as boas não são originais e as originais não são boas.
Termino como o Senhor Ministro termina a introdução do PET: “este documento assume sem subterfúgios e de forma clara que mudaremos de vida”.
Sim mudaremos de vida. Mais pobres, com menos mobilidade, menos competitivos, inimigos do ambiente e, sobretudo, inimigos da qualidade de vida dos portugueses e do desenvolvimento de Portugal.

Ana Paula Vitorino - Deputada do PS
Comissão Parlamentar de Economia e Obras Públicas - 28 de Outubro de 2011

(É claro que o Sr. Ministro não respondeu a rigorosamente nada!!!)

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Grupos Parlamentares do PSD e CDS recusam pela terceira vez a ida do Ministro da Economia e Emprego e Secretário de Estado à Assembleia da República

COMUNICADO

Grupos Parlamentares do PSD e CDS recusam pela terceira vez a ida do Ministro da Economia e Emprego e Secretário de Estado à Assembleia da República

Hoje, os Grupos Parlamentares do PSD e CDS inviabilizaram o terceiro requerimento apresentado pelo Grupo Parlamentar do PS que solicitava a presença do Senhor Ministro da Economia e do Emprego, na Assembleia da República.

Na verdade, os Grupos Parlamentares do PSD e CDS têm procurado evitar a todo o custo a presença do Senhor Ministro na Assembleia da República. Infelizmente, este tipo de comportamento impede a normal acção de fiscalização por parte dos Deputados.

Como é do conhecimento geral, o actual Governo decidiu aumentar as tarifas dos transportes públicos. Esta opção do Governo não teve a mínima consideração pela política integrada dos transportes, nem pela necessidade económica do país em reduzir a importação de energia, tendo-se revelado uma medida de grande insensibilidade social. Seguidamente, o Senhor Ministro da Economia e do Emprego veio a público anunciar o passe social +, o que também gerou enorme polémica, tendo inclusivamente motivado declarações por parte do senhor Presidente da Câmara Municipal do Porto, dado que a medida revela uma discriminação “inadmissível” para os cidadãos do Porto, para além de excluir completamente os cidadãos do resto do País. Neste sentido o grupo Parlamentar do PS apresentou hoje um requerimento na Comissão de Economia e Obras Públicas, tendo merecido a reprovação dos Senhores deputados do PSD e CDS.

Recordamos que na passada semana o Grupo Parlamentar do PS já tinha requerido a vinda de membros do governo à Comissão de Economia e Emprego para prestar esclarecimentos sobre o projecto “Alta Velocidade” e ainda sobre o cancelamento das subconcessões do Baixo Tejo, o que também foi chumbado pela coligação PSD/CDS-PP.

Três requerimentos do Grupo Parlamentar do PS requerendo a vinda do Governo à Comissão de Economia e Obras Públicas para prestar esclarecimentos sobre três assuntos que preocupam os portugueses e que afectam as suas vidas. Três requerimentos inviabilizados pela maioria PSD/CDS-PP. Na verdade o Ministro da Economia e do Emprego está desaparecido da Assembleia da República e do País.

O Grupo Parlamentar do Partido Socialista considera que este comportamento desrespeita profundamente a obrigação institucional do Governo prestar contas ao Parlamento, dificultando assim a principal função inerente à Assembleia da República.

Lisboa, Palácio de S. Bento, 7 de Setembro de 2011

GPPS

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Setembro negro - Eduardo Cabrita - Correio da Manhã

Setembro negro - Eduardo Cabrita - Correio da Manhã

As trovoadas estivais, as medidas anunciadas à sorrelfa para cidadãos distraídos à beira-mar e o torpor das comissões parlamentares retomadas ainda em Agosto são quais gaivotas em terra da tempestade social anunciada.


Os últimos dados do INE e da DGO liquidaram como demagogia para militantes nervosos a teoria conspirativa do "défice colossal". Afinal, a economia no segundo trimestre (ainda de Sócrates), ao estagnar em vez de afundar, superou todas as previsões, ficando a uma décima da evolução da poderosa Alemanha. As exportações, que a queda da TSU visaria estimular, cresceram 17%, salvando o PIB da travagem a fundo no investimento público e do duche frio no consumo das famílias. Quanto à execução orçamental regista uma queda do défice em sete meses superior a 2 mil milhões de euros, algo "colossal", para usar a linguagem da nova propaganda… O principal risco vem do abrandamento da receita devido às medidas de austeridade ainda tomadas pelo Governo PS.

A partir de agora, a evolução da economia e a execução orçamental correm inteiramente por conta da nova maioria, sem desculpa da herança se mergulhar a fundo num abismo liberal de destruição dos equilíbrios sociais. Para atingir os níveis de recessão estimados por Gaspar e Moedas para 2011, é necessário o segundo semestre mais trágico da nossa história democrática, um verdadeiro Setembro negro para as famílias e as empresas.

Eles têm tentado nos últimos dias… ao acabar com o maior projeto nacional de reabilitação urbana com capitais privados (o Arco Ribeirinho Sul), ao insistir na perda de fundos que resultaria do abandono da alta velocidade ferroviária, violando compromissos e tornando Badajoz na nossa estação internacional, e com ensaios para a renegociação (certamente com piores condições de financiamento) de obras já em curso, a começar pela Península de Setúbal, que nutre poucas simpatias pela atual maioria.

Entretanto, os famosos e óbvios cortes em consumos intermédios continuam à espera neste duro choque frontal com as angústias da realidade da governação… Alá é grande e sem Kadhafi o petróleo poderá baixar, aliviando algumas dores deste sombrio final de Verão.

Requerimento do Grupo Parlamentar do PS para audição do governo relativamente à suspensão da sub-concessão rodoviária do Baixo Tejo


Exmo. Senhor Presidente da Comissão de Economia e Obras Públicas

Requerimento


Assunto: Audição do Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas, Transportes e Comunicações relativamente à suspensão da concessão rodoviária do Baixo Tejo

Exmo. Senhor Presidente da Comissão de Economia e Obras Públicas

O Distrito de Setúbal representa mais de 7.6% da população residente em Portugal, e 5.4% do PIB nacional, tendo crescido mais de 16% entre os anos de 2005 e 2009 (um crescimento de 10.9% quando falamos de PIB per capita, contra o crescimento negativo de -0.6% registado entre 2002 e 2005).

No que se refere ao mercado de trabalho, importa recordar que o Distrito de Setúbal tem sido seriamente afectado pelo flagelo social que é desemprego, nele existindo mais de 40 mil desempregados (Março de 2011), tendo, no entanto, aferido uma melhoria ao fim de 26 meses de subida consecutiva da taxa de crescimento homóloga de desemprego registado.

Setúbal é um Distrito dinâmico, que dispõe hoje de mais de 149 unidade de investigação, tendo, neste campo, registado um aumento de mais de 69% entre 2005 e 2008, nelas se tendo investido, só em 2008, mais de 72 milhões de euros em investigação e desenvolvimento (um crescimento de 154% face a 2005), o que conduziu a que o número de pessoas ao seu serviço alcançasse, em 2008, as 3.049 pessoas.

Infelizmente Setúbal não tem sido notícia pelos dados acima mencionados, mas sim pela intenção de suspender a construção do Hospital do Seixal, de suspender as ligações de alta velocidade, a construção do novo aeroporto e nos últimos dias, pela extinção da Baía Tejo, do Projecto do Arco Ribeirinho Sul e por irem ser cancelados os investimentos na subconcessão de seis dos dez troços do Baixo Tejo. No que concerne ao cancelamento da subconcessão rodoviária, é alegada uma poupança de cerca de 270 milhões de euros (estão em causa não só a continuação da construção do lanço de auto-estrada do IC32 – Circular Interna da Península de Setúbal – entre o Funchalinho e Coina, mas, também, a construção da ER 377-2 entre a Costa de Caparica e a Fonte da Telha, bem como a manutenção de vias já em serviço). No presente momento, importa recordar que já existem obras em curso e que o referido investimento está validado do ponto de vista económico e social, justificando-se inteiramente pela necessidade de dar respostas aos custos sociais do congestionamento territorial.

O Grupo Parlamentar do Partido Socialista considera que uma estrada não é só um caminho para chegar mais rápido ao seu destino, é uma ponte entre pessoas, uma via aberta para o progresso e para o desenvolvimento económico de uma região.

Neste sentido, ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista vem pelo presente meio requerer a presença do Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas Transportes e Comunicações na Comissão de Economia e Obras Públicas, com vista a prestar esclarecimentos aos Deputados sobre a intenção de suspender alguns troços da concessão do Baixo Tejo”.

Palácio de São Bento, 24 de Agosto de 2011


Os Deputados,

Ana Paula Vitorino
José António Vieira da Silva
Eduardo Cabrita
Euridice Pereira
Duarte Cordeiro
Ana Catarina Mendes

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Nós Árabes - Eduardo Cabrita - Correio da Manhã


Nós Árabes - Eduardo Cabrita - Correio da Manhã


Desde que, em 711, Ibn-al-Tarik cruzou o estreito a que viria a dar o nome que a nossa história é marcada pela presença e influência árabes. Deram-nos alguns milhares de palavras, notáveis progressos tecnológicos e séculos de abertura cultural e tolerância religiosa. Granada e Silves foram centros de irradiação de uma dinâmica fluorescente que marca tanto os povos ibéricos como a presença romana, essa outra grande civilização mediterrânica.

Séculos de intolerância religiosa marcados pelos discursos do ódio da inquisição e dos fundamentalismos islâmicos afastaram--nos dos nossos vizinhos do Sul no Al-Gharb de além-mar. Mas nestes tempos espantosos de ressurgimento árabe, com os levantamentos populares da Tunísia e do Egito, importa lembrar que temos mais em comum com estes povos, cujo sangue, memória e sentir meridional nos correm nas veias, do que com a Finlândia ou outros povos bálticos. Esquecemos que em poucos locais está tão presente o património de origem portuguesa como no Magrebe, que a capital mais próxima de Lisboa é Rabat, que foi na Argélia que se exilou Teixeira Gomes e de lá vinha a voz quente de Manuel Alegre na nossa noite escura…

As mudanças em curso nos países árabes são de resultado incerto, mas o seu potencial de transformação para a geoestratégia europeia só é comparável à queda das ditaduras do sul da Europa na década de 70 ou ao desmoronar do bloco soviético. O que é espantoso nestes dias é a emergência no mundo árabe de uma juventude urbana qualificada, injustiçada e muitas vezes desempregada (tal como os destinatários da já famosa canção dos Deolinda…) e que não é possível reduzir aos clichés do populismo religioso.

O que se exige na rua é liberdade, fim das cleptocracias corruptas, emprego e liberdade de uso das redes sociais. Será que já alguém notou que nem uma bandeira americana ou israelita foi queimada e como os movimentos religiosos têm dificuldade em acompanhar o comboio da mudança? Tal como desmentimos os que diziam que o Portugal rural e atrasado não estava pronto para a democracia ou cairia na órbita comunista, é dever da Europa da tolerância, do modelo social e da liberdade conceder espaço para que os nossos vizinhos provem existir alternativa para lá das autocracias militares e do fundamentalismo islâmico. Existe um mundo árabe tolerante e plural de Naguib Mahfouz, de Edward Said ou de Amin Maalouf que merece uma oportunidade para dizer não à idade média e aos absolutismos. Como em tempos fomos todos berlinenses, deixemos agora bater o nosso coração árabe. Oxalá…

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A reforma dos sonhos - Eduardo Cabrita - Correio da Manhã

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A reforma dos sonhos - Eduardo Cabrita - Correio da Manhã


A esquerda democrática europeia, atordoada por vinte anos de voluntarismo liberal após a falência do bloco soviético, não encontrou ainda as marcas identitárias que lhe permitam honrar os pergaminhos do modelo social construído desde a II Guerra Mundial e responder à vingança dos mercados especulativos que os Estados decidiram salvar em 2008.

A esquerda social-democrata tem no ativo as sociedades mais igualitárias de sempre, com acesso generalizado à saúde e educação públicas, ao direito à protecção na infância, no desemprego e na velhice e a luxos desconhecidos noutros continentes, como as férias pagas. A generalidade dos portugueses não tem noção de que aquelas banais conquistas não existem nos Estados Unidos ou na China. A epopeia do crédito fácil e da especulação financeira e imobiliária que conduziu à crise global dos últimos anos foi acompanhada do elogio da desigualdade, sob o manto de prémio ao mérito de gestores capazes de rápida multiplicação de lucros, e pela exaltação da xenofobia social retratada em clássicos de época como ‘A Fogueira das Vaidades’ ou ‘Psicopata Americano’. À nossa dimensão tivemos as guerras de comadres do BCP, os casos de polícia do BPN e BPP, os prémios do dr. Mexia e o injustamente esquecido romance de Deus Pinheiro sobre a cultura social do cavaquismo, ‘Eu, Abaixo Assinado’. A tímida reeleição presidencial veio moderar os ânimos da direita que marchava para o poder empurrada pela crise e à boleia do FMI.

Sócrates, que repetiu o erro de fazer opções presidenciais dignas mas a olhar para o passado, voltou a ter espaço para liderar a iniciativa política. Tem agora até Abril um precioso trimestre para provar novamente uma eficácia que desminta as previsões económicas, como sucedeu em 2010, e cale os comentadores da decadência nacional. Mas tem de definir uma agenda progressista e igualitária que permita tornar claro que a opção será entre esquerda reformista e direita liberal, entre solidariedade à europeia ou o privilégio do direito à escolha pelos mais fortes.

Nas presidenciais, os jovens, a classe média urbana e muitos socialistas recusaram optar entre visões de passado. A justiça social, a denúncia do egoísmo da direita europeia, a prioridade às questões ambientais e a intransigência com o espírito manhoso de bloco central são decisivos para que não sejamos o único País com quase 20% dos eleitores perdidos entre as versões metalúrgica e evangélico-chic de votos de esquerda politicamente inúteis.


quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

AR - Debate sobre Política de Transportes e Ferrovia

ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Intervenção sobre “Política de transporte público, centrada no transporte ferroviário”

Lisboa, 26 de Janeiro de 2011

Senhor Presidente
Senhoras e senhores deputados,

Debatemos hoje as orientações do governo para a política de transporte público, centrada no transporte ferroviário.
Desta vez, o debate surge sob proposta do Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV). Mas, mais uma vez, a extrema-esquerda faz tábua rasa da actual situação económica e orçamental que o país enfrenta.
O PEV segue as pisadas do BE e do PCP. Segue a linha da demagogia, própria de quem prefere colocar-se do lado do problema e nunca ao lado da solução. Tudo que possa render votos conta com o aproveitamento político e o populismo da extrema-esquerda!
É uma extrema-esquerda que ignora a crise mais grave dos últimos 80 anos e, sobretudo, é uma extrema-esquerda que ignora teimosamente os efeitos dessa mesma crise no nosso país, quer no plano económico quer no plano orçamental.
De um lado, temos a extrema-esquerda a exigir ao governo mais investimento, mais obras e redução do preço dos transportes, como se fosse possível conciliar estas exigências com a sustentabilidade das empresas públicas.
Do outro lado, temos a direita a exigir ao governo a paragem dos investimentos e a redução dos défices de operação das empresas de transportes, como se fosse possível garantir serviço social e serviço público de transporte sem défices de operação.
E por outro lado, ainda, temos a dupla face discursiva do PSD, que reproduz localmente o discurso da extrema-esquerda, isto é, exige o avanço de todos os investimentos de forma a agradar ao seu eleitorado, e no plano nacional reproduz o discurso do rigor e da contenção no que concerne a obras e investimentos no âmbito da gestão pública!
Estamos, pois, perante um tema que é alvo da maior intoxicação propagandística, quer pela direita quer pela extrema-esquerda parlamentar.
Debater o transporte público na actual conjuntura e no exigente quadro de objectivos orçamentais e económicos impõe maior sentido de responsabilidade aos partidos políticos. O debate político não pode desfocar-se do momento que vivemos.
E o momento que vivemos é de resposta à crise; uma crise mundial que começou por ser financeira, que se transformou numa crise económica, que rapidamente se degenerou numa crise orçamental com fortes repercussões no sistema bancário e na dívida soberana de um vasto conjunto de países da União Europeia.
Portugal procura normalizar o financiamento da sua economia. Portugal procura prosseguir a recuperação da sua actividade económica. E por isso, tem seguido um esforço acrescido de consolidação das contas públicas, que passa por continuar a reduzir o défice orçamental e a despesa pública.
Todos sabemos que vencer este desafio é decisivo para o futuro do país. Mas nem todos os partidos estão disponíveis para contribuir responsavelmente para o alcance do mesmo, como se pode comprovar neste debate.

Não pode ser de outra forma - devemos assumir que 2011 é um ano extraordinariamente difícil, em que o Estado se depara com menos recursos, o que isso leva a decisões difíceis e inesperadas mas igualmente necessárias.
O melhor contributo a dar ao serviço público de transporte passa por criar condições de sustentabilidade económico-financeira aos operadores públicos de transporte.
E, hoje, essas condições de sustentabilidade não são as mesmas de 2007, 2008 e 2009. Vivemos uma realidade económica, financeira e orçamental bem diferente, com metas mais exigentes e mais rigorosas.
Daí que o Orçamento do Estado para 2011 dirija ao sector empresarial do estado um conjunto de medidas ao nível da redução do endividamento e da despesa, sempre no objectivo de assegurar melhores condições de sustentabilidade.
Relembramos a redução do limite ao endividamento para 6%.
Relembramos a redução de 20% dos cargos dirigentes.
Relembramos a redução de 20% do número de administradores.
Relembramos a redução de 15% das despesas de funcionamento.
No período que atravessamos, estas medidas são as que, inequivocamente, melhor concorrem para a sustentabilidade das empresas públicas de transportes.

Senhores deputados,
Esta acção populista PEV, desenquadrada com a realidade, tem um outro objectivo: pretende fazer esquecer o forte investimento lançado pelos governos do PS na área dos transportes no ciclo orçamental que antecedeu o ano orçamental de 2010.
O transporte público foi uma aposta efectiva, fruto de investimentos estratégicos com resultados bastante positivos no domínio da qualidade do serviço prestado às populações.
O transporte ferroviário foi uma aposta ganha, tanto ao nível dos passageiros como ao nível das mercadorias.
Foram realizados inúmeros investimentos que são sinónimos de mais e melhor mobilidade e melhor serviço público de transporte.
Nos últimos anos temos mais portugueses a recorrer ao transporte público, o que reflecte mais e melhor oferta.
Relembramos a criação do passe 4_18, dirigido aos estudantes do ensino básico e secundário.
Relembramos a criação do passe sub_23, dirigido aos estudantes do ensino superior.
Relembramos ampla renovação da frota da CARRIS e STCP.
Relembramos a renovação da frota da TRANSTEJO.
Relembramos o arranque da Autoridade Metropolitana de Transportes de Lisboa.
Relembramos a forte expansão da rede do METRO DO PORTO.
Relembramos o investimento feito na aquisição de material circulante para a exploração da rede do METRO DO PORTO. Há poucos dias foi inaugurada a linha Dragão – Venda Nova, um investimento de 140 M€.
Relembramos a expansão da rede do METRO DE LISBOA.
Relembramos a implementação e expansão da rede do MST.
Relembramos o forte investimento realizado na linha ferroviária do Minho, na linha da Beira Baixa, na linha de Évora, na linha do Sul e na linha de Sines.
Ainda há pouco tempo foram inauguradas as variantes ferroviárias da Trofa e de Alcácer, um investimento conjunto superior a 200 M€.
Relembramos o forte investimento na segurança da rede ferroviária, tanto em telecomunicações como na supressão de passagens de nível.
E relembramos, ainda, o forte investimento nas ligações aos portos e às plataformas logísticas. Há poucos meses foi inaugurado a ligação ferroviária ao porto de Aveiro.
É verdade que tudo isto foi levado a cabo num ciclo orçamental favorável e também é verdade que hoje vivemos um ciclo antagónico, que não permite a continuidade desta política.
Mas olhemos agora os números das empresas públicas de transportes:
2009 representa o melhor registo de resultados operacionais dessa década, com um crescimento de 44% (!) em relação ao último governo PSD / CSD;
2009 foi o segundo melhor ano dessa década no que respeita aos resultados líquidos;
Entre 2004 e 2008, o número de passageiros no transporte ferroviário aumentou 13,5%;
Entre 2000 e 2008 o transporte ferroviário recebeu mais 90 milhões de passageiros.
No 1º semestre de 2010, o número de passageiros nos metros de Lisboa e do Porto cresceram 3,9% em relação ao 1º semestre de 2009.
Segundo o boletim informativo do Sector Empresarial, entre Janeiro a Setembro de 2010, e em comparação com o período homólogo de 2009, as empresas públicas de transporte apresentam indicadores extremamente positivos:
- os resultados líquidos da REFER subiram 32,7%;
- os custos com Fornecimentos e Serviços Externos desceram 5,6%;
- os resultados antes de juros, impostos, amortizações e depreciações subiram 9,2%;
- os resultados operacionais subiram 4,8%.
Presentemente, temos mais passageiros e mais qualidade nos transportes públicos.

As dúvidas que persistem podem ser dissipadas pela consulta do último relatório do Tribunal de Contas de auditoria a 4 empresas de transportes públicos urbanos nas cidades do Porto e de Lisboa (ML, MP, CARRIS e STCP).
Esse relatório destaca o forte ciclo de investimento que dotou essas empresas de mais e melhor material circulante e de mais e melhores infra-estruturas.
Contudo, diz também o relatório que este ciclo de investimento impulsionou a qualidade do serviço prestado aos utentes mas, por outro lado, contribuiu para o agravamento da sustentabilidade económico-financeira das empresas.
É, pois, imperioso avançar com medidas que concorram para a sustentabilidade das empresas, que mais se justificam pela actual conjuntura.

Senhores deputados,
O PS está neste debate de consciência absolutamente tranquila. Apregoar paixão pelo transporte público e pela ferrovia não basta. O PS foi o partido que mais promoveu o transporte público e o transporte ferroviário.
A extrema-esquerda, que exige sempre mais e ao menor custo, ainda não foi capaz de explicar ao país como é possível reduzir a despesa e o endividamento e, em simultâneo, avançar com todo o tipo de obras e investimentos!
Já o PSD tem um passivo em matéria de política de transporte público e transporte ferroviário. A desconfiança que o PSD lança sobre o progresso leva-o a deixar-se cair no campo do cepticismo inconsequente. Tem sido sempre assim ao longo dos anos.
Relembramos a tenebrosa época dos indiscriminados encerramentos de ligações ferroviárias de norte a sul do país. Entre 1987 e 1992 os governos do PSD encerraram 19 ligações ferroviárias! Foram encerrados mais 800 km de ferrovia!
Relembramos a campanha que o PSD moveu no Porto contra o projecto do metro.
Nessa época, o PSD forrou a cidade do Porto com cartazes a dizer que o metro era uma megalomania dos socialistas e que não passava do “metro de papel”!
Hoje, o PSD, já rendido ao projecto do metro, pretende assumir-se como o paladino desta importante obra para a Área Metropolitana do Porto.
Entre o populismo da extrema-esquerda e o circunstancialismo da direita, o caminho a seguir é o do rigor e da responsabilidade.
É imperioso normalizarmos o financiamento da nossa economia.
É imperioso desenvolvermos a recuperação da nossa actividade económica.
É imperioso gerarmos mais emprego.
E isso passa por consolidar as contas públicas, reduzindo a despesa e o endividamento, tanto no sector público administrativo como no sector empresarial do estado.
É este o grande desafio que temos de vencer.

João Paulo Correia

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Eduardo Cabrita - AR - Debate sobre o caso BPN

Debate sobre PJL nº 482/XI/2ª e Projeto de Resolução nº350/XI/2ª


Senhor  Presidente
Senhoras e Senhores Deputados

Este é um debate sobre transparência e responsabilidade. O Bloco de Esquerda que em 2008 não esteve à altura do desafio da responsabilidade perante os contribuintes, os depositantes e até os trabalhadores do BPN, vem agora propor a alteração de regras  indemnizatórias e  assumir um estatuto de paladino do acesso à informação sobre o processo BPN.
O Partido Socialista em matéria de relação com o setor financeiro, designadamente com o BPN não tem nada a esconder e não aceita lições nem de transparência nem de responsabilidade quer da direita quer do Bloco de Esquerda.
O PS não patrocina nem é cúmplice na amnésia branqueadora da crise financeira internacional de   2008, nem das circunstâncias especificamente nacionais que determinaram a opção pela nacionalização do BPN .
Igualmente surpreende esta iniciativa do Bloco de Esquerda ao parecer associar-se aqueles que querem neste momento, com destaque para o candidato presidencial da direita, lançar uma cortina de fumo  desviando atenções da responsabilidade criminal, indemnizatória, de legalidade financeira e cívica dos gestores do BPN, que têm rosto e história pessoal  e política, para os que em nome do interesse público, por determinação legal e no exercício de mandato de gestores públicos, têm desempenhado funções no BPN  desde a sua nacionalização.
Está a prestar um mau serviço à transparência democrática, ao esforço de recuperação da economia portuguesa e à criação de condições para a confiança dos agentes económicos e dos portugueses  o Bloco de Esquerda com a mirabolante iniciativa legislativa apresentada. Mas espanta ainda mais, pela cegueira sectária de vistas curtas, a   espantosa  convergência táctica com as preocupações do candidato Cavaco Silva.
O PS é um partido que não tem dúvidas sobre as causas económicas e os fundamentos ideológicos da crise global de 2008 nem sobre os seus efeitos em Portugal. Mas na resposta à crise pautamos a nossa atuação pelo primado dos princípios da legalidade democrática, da transparência e da responsabilidade nos seus planos político, financeiro e criminal.
O BPN é um caso de irresponsabilidade financeira, é um símbolo de um modelo económico baseado no desvario do crédito fácil e em aplicações financeiras de risco, é o símbolo de uma geração de gestores nascidos do caldo político das maiorias absolutas de Cavaco Silva.
É  no  plano daquilo que cabe aos tribunais um caso de polícia com responsabilidades pessoais que cabe à Justiça determinar com toda a independência, celeridade e respeito pelas garantias de defesa. Para o PS o BPN sempre foi um caso, por um lado de Justiça por   outro de garantia de credibilidade do sistema financeiro. Por isso sabemos quem são os  rostos do BPN mas nunca pretendeu o PS transformá-lo num caso de  política.
Em 2008 o modelo de desenvolvimento assente na especulação financeira e  imobiliária , multiplicando o crédito  irresponsável e operações de engenharia financeira criativa conduziram à maior crise global das economias desenvolvidas ,primeiro de confiança no sistema financeiro , depois a  recessão simultânea em 2009 das economias  americana, europeia e japonesa , a salvação dos mercados  irresponsáveis e a limitação dos danos colaterais para as famílias e as empresas pela  intervenção dos  Estados com a consequente  explosão dos défices públicos  até à  atual crise da zona euro.
O BPN foi à dimensão portuguesa parte deste percurso especulativo com práticas ilegais associadas. As dificuldades do banco já tinham sido identificadas mas a falência do Lehman Brothers, em Setembro de 2008  e de duas das  maiores sociedades   de crédito imobiliário americanas  tornaram inevitável o choque com a realidade. È     nesta narrativa da crise global , e do seu impacto em Portugal que se insere a  nacionalização do BPN.
A crise de   credibilidade do sistema financeiro não foi antecipado  por esses oráculos televisivos genericamente endeusados como  “os economistas”, nem por esses mitificados mercados perante os quais é tão reverente o candidato Cavaco Silva, designadamente  pelas agências de rating que sempre  deram nota máxima às instituições financeiras que abriram falência e aos produtos financeiros agora apelidados de  ativos tóxicos .  
Esta é a crise que demonstrou uma falha ideológica   no modelo de capitalismo liberal. Por  isso na Europa as pequenas economias mais desreguladas a Islândia e a Irlanda, curiosamente ambos países do Norte com pouco Sol,  foram as  primeiras vitimas qual pequenos Lehman Brothers ou grandes  BPNs.
Porque a memória de alguns economistas e políticos é fraca convém não lançar bruma sobre a crise de 2008 e as suas causas para que não seja permitido um   inaceitável back to business as usual Também  aqui a direita se não quiser ler Stiglitz ou Paul Krugman pode ter à cabeceira a confissão de incrédulo fracasso de Alan Greenspan-
Foi este o contexto da opção pela nacionalização do BPN em 2008  perante   prejuízos  de cerca de 600 milhões de euros  e imparidades  superiores a mais de 2 mil milhões de euros.
As alternativas poderiam ter sido a falência do BPN com o efeito de  arrastamento  que   teria sido inevitável no quadro da economia internacional em  Novembro de 2008 ou a socialização dos prejuízos como fizeram o Reino Unido ou a Irlanda . Essa solução teria sido economicamente desastrosa e socialmente injusta. A abrupta queda do PIB irlandês nos últimos anos e o défice de 32%   não custou até hoje  um cêntimo aos contribuintes para desespero da demagogia do Bloco de Esquerda. Quer a falência quer o pagamento por todos da irresponsabilidade dos gestores do BPN teriam tido efeitos devastadores sobre  a economia portuguesa.
A opção foi atribuir    ao maior e mais fiável banco português a Caixa Geral de Depósitos, exemplo de ativo estratégico que deve e vai continuar no setor  público,a gestão do BPN visando a determinação da qualidade dos seus ativos, a introdução de adequadas regras de gestão financeira e a destrinça entre vários domínios e natureza da sua atividade.
Talvez    o Bloco de Esquerda, que sabemos  ser insensível à necessidade de uma resposta à crise que  salvaguarde a estabilidade económica, o  funcionamento do sistema financeiro e a solidariedade com a defesa do modelo social europeu , devesse reconhecer que só a nacionalização permitiu salvaguardar os mais de 2mil postos de trabalho do BPN.
È   hoje  do domínio público que o BPN cresceu desmesurada e bruscamente enquanto história de fraude e de más práticas financeiras, mas importa  lembrar que tem uma rede disseminada por mais de 200 balcões, que tem cerca de 300mil depositantes e uma implantação significativa  junto de pequenas e médias empresas fora dos grandes centros urbanos.
Teremos oportunidade na próxima semana de ouvir e questionar gestores  profissionais  reconhecidos como são o dr. Faria de Oliveira     e o dr. Francisco Bandeira sobre a situação atual do BPN e os problemas graves com que se defronta. Contudo os indicadores conhecidos da opinião pública são  , na mais difícil conjuntura de sempre para toda a banca portuguesa, moderadamente encorajadores. Os resultados negativos baixaram para resultados muito inferiores aos de 2008, o numero de clientes aumentou mesmo que com compreensível baixa do valor médio dos depósitos e foi possível separar a rede de retalho de um conjunto de realidades a colocar em três sociedades veículo -participações  sociais, património imobiliário e créditos por cobrar. Aponta-se para este conjunto de ativos   um valor nominal de cerca de 4mil milhões de euros, a realizar gradualmente segundo a evolução das condições de mercado e a resolução das questões jurídicas ainda pendentes.
É neste quadro que devem ser discutidas as propostas do Bloco de Esquerda.
Diria em síntese    que a proposta de resolução é desnecessária mas inconsequente. Que o projeto de lei é em   parte inútil e em parte irresponsável sendo todo ele de uma demagogia inconsistente.
Pretende o Bloco acrescentar duas normas salvadoras à Lei nº62-A/2008,de  11 de Novembro .,na parte em que regula o regime  geral da apropriação pública por via de nacionalização.
A primeira alteração destrói séculos de construção do conceito de responsabilidade limitada que está na base da personalidade júridica das sociedades comerciais confundindo a  responsabilidade  dos  accionistas pelos prejuízos com os eventuais direitos a indemnização. O Bloco diz que os responsáveis pelas irregularidades do BPN não devem ser indemnizados, no que teria razão, mas cria uma regra geral absurda de indemnização ao Estado pelo património liquido negativo.
Falemos claro que é o que o Bloco não gosta por não servir o seu facilitismo demagógico. O que está   subjacente  a esta proposta  é a negação ideológica do conceito de empresa e de iniciativa privada enquanto   base de uma economia de mercado. O PS defende a livre iniciativa no quadro de mercados regulados e responsabilizamos a desregulação   selvagem pela crise que vivemos e pelo alargamento das desigualdades na distribuição do rendimento.
O PS fala claro  sobre as regras sobre a nacionalização do BPN  . Os acionistas só serão indemnizados pela nacionalização caso a avaliação a efetuar por pelo menos duas entidades independentes viesse a apurar uma situação patrimonial liquida na altura da nacionalização e está suspenso qualquer direito a indemnização enquanto correrem   processos por irregularidades praticadas na gestão do banco .
Nem sempre foi assim, designadamente nas regras sobre    calculo do valor das indemnizações   do artº1º do Decreto-Lei nº332/91, de 6 de Setembro ,o qual admitia a indemnização com base na alegada rendibilidade da empresa. Essa lei por ironia histórica é assinada por Cavaco Silva e Oliveira e Costa, foi esse critério que se pretendeu afastar aquando da nacionalização do BPN.
A segunda proposta do Bloco é inútil e rasteiramente demagógica  ao pretender afastar a indemnização  em caso de condenação por prática lesiva dos interesses do Banco .É isso   que já hoje resulta da lei penal e das regras de responsabilização dos gestores financeiros .É isso que desejamos seja feito pelos tribunais, pelo Banco de Portugal  e relativamente e entidades cotadas pela CMVM.
Inútil, irresponsável e demagógico o projeto de lei do Bloco nada ajuda à credibilidade do sistema financeiro , à qualidade da regulação ou ao funcionamento da Justiça pelo que contará com a nossa oposição.
O PS é o partido da defesa do Estado de direito e da transparência democrática  por isso viabilizamos  a realização de audições na próxima semana com o Ministro das Finanças, o Governador do Banco de Portugal e os  presidentes da Caixa e do BPN, nas quais   desejamos tudo seja perguntado e esclarecido nos limites do respeito palas garantias da legalidade democrática ,contribuindo para a criação de um ambiente de  confiança no sistema financeiro e na economia portuguesa. Gostaríamos de saber os custos para o BPN resultantes das declarações irresponsáveis denunciadoras de  falta de sentido de Estado do candidato Cavaco Silva. Temos duvida sobre os fundamentos e a viabilidade legal de alguns dos pressupostos da resolução apresentada  pelo Bloco de Esquerda mas não inviabilizaremos , face a necessidade de tudo clarificar, quaisquer pedidos de esclarecimentos adicionais.
O PS  não acusa os mercados de  vender gato por lebre nem põe   lança insinuações sobre a idoneidade e profissionalismo da gestão  pública .No caso do BPN como sempre queremos os mercados regulados, os infratores investigados e punidos e a criação da  confiança  nesessária para  o funcionamento do sistema financeiro, a correcção do défice , a criação de emprego e o crescimento económico.      

6.01.2011 Eduardo Cabrita GPPS