"O Mundo acorda e adormece sem que ninguém o embale.


Ainda assim, estou disposta a oferecer-lhe a minha canção."




sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Audição ao Ministro da Economia e do Emprego sobre o Plano Estratégico de Transportes

Senhor Ministro
Este documento que apresentou depois de todas as peripécias conhecidas está muito longe de poder ser considerado um Plano Estratégico de Transportes. E de mobilidade sustentável apenas tem o sub-título.
1)         Mas comecemos exactamente pela marca ideológica
O Governo revelou a sua “visão de vistas curtas” de quem encara os serviços públicos numa óptica assistencialista marcadamente ideológica, nesta deriva de liberalismo selvagem nunca antes vista em Portugal, mesmo na direita mais radical.
Diz o Senhor Ministro que tem um conjunto de opções resultantes da consciência de que os recursos públicos são limitados e que essa consciência convida à coragem.
Não senhor Ministro, não conseguimos ver coragem neste documento.
A regra é fechar, desde a linha de Leixões até à linha do Alentejo… Tem uma visão de aterradoras consequências para os cidadãos.
O que está presente não é sequer uma lógica de utilizador-pagador. É uma lógica de encerramento de serviços de autocarro e ferroviários, é uma lógica de despedimentos, é uma lógica de aumentos brutais de preços de transportes.
Coragem só se for para prejudicar os do costume. Isto não é respeito pelos contribuintes. Isto é, no mínimo, falta de respeito pelos cidadãos.
2)         Transporte público de passageiros
A visão de acabar com o serviço público e a lógica de submissão absoluta e redutora às questões financeiras está bem patente na análise da situação actual que fazem do transporte público de passageiros.
Conseguem escrever 16 páginas (quase 20% do documento) sobre as empresas públicas de transportes em que apenas fazem referência a passivo, capitais próprios negativos e a um alegado excesso de oferta global.
E a qualidade da oferta? E a qualidade do material circulante? E a qualidade do serviço? E as pessoas?
Sabe Vossa Excelência que só há bem pouco tempo atingimos níveis de qualidade próximos da média europeia e apenas nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto?
O Senhor Ministro considera que em matérias de serviço público, concretamente nos transportes, a avaliação deve ser feita exclusivamente com base em indicadores financeiros? E as pessoas?
3)         Estancamento do endividamento
Actividade de investimento
Sabemos bem que existe uma situação insustentável no endividamento das empresas públicas e que o Estado não tem honrado os seus compromissos, principalmente a nível do investimento.
Aliás, relembro a intervenção de um historiador na cerimónia de comemoração dos 150 anos do caminho-de-ferro em Portugal. A história da dívida do caminho-de-ferro em Portugal é uma história com 150 anos. Quando D. Carlos inaugurou a linha até ao Cartaxo ficou logo a dever.
E por isso há uns anos que se tem vindo a fazer um esforço de contenção do endividamento, com planeamento e com contratos de gestão com os gestores públicos.
Mas é necessário ir mais longe. E as crises têm que ser encaradas como oportunidades, até porque os responsáveis pelas finanças ficam mais sensíveis à resolução dos problemas.
Aliás os critérios para a actividade de investimento que constam neste coincidem com as expressas nas Orientações Estratégicas para o sector. O problema é a concretização. Na realidade os investimentos em curso seguem esses critérios. Desejamos ao Senhor Ministro os maiores sucessos na negociação com o Senhor Ministro das Finanças.
Mas mesmo aqui, não considera o Senhor Ministro que também deveria, para além das infra-estruturas, falar de material circulante, bilhética, informação ao público, enfim, de matérias de transporte?
Actividade de financiamento
Está cheio de declarações de princípio, mas no que toca a medidas em concreto é só paragem de obras, encerramento de linhas, diminuição de oferta e despedimentos
O Governo está a estudar um conjunto de soluções para melhorar a gestão do stock de dívida a cargo do SEE de transportes públicos terrestres e da infra-estrutura ferroviária e dos encargos financeiros decorrentes?
Quem está a estudar? Quais são essas soluções? Quando são apresentadas? Qual é a poupança ou encargo para o Estado? Quando estarão concretizadas?
4)         Programa de equilíbrio operacional
1ª fase – Reestruturação do SEE
Objectivo: atingir um EBITDA equilibrado no final de 2012. Vamos conseguir em Portugal o que não se consegue em nenhum País…
Este programa é profundamente ideológico: vai pelo caminho mais fácil, acabar com os transportes, com o emprego e com a contratação colectiva e subir as tarifas.
As perguntas são as seguintes:
- Qual é a poupança com a reorganização do SEE?E quando?
- Qual a redução de custos com pessoal? E quando?
- Quantos trabalhadores é que irá mandar para o desemprego em cada empresa? E quando? O Senhor Ministro sabe concerteza que em todas as empresas públicas têm vindo a ocorrer, nos últimos anos, significativas reduções de pessoal…
- Quais são as alterações que irá efectuar nos acordos de empresa?
- Qual é a diminuição da oferta de transportes que vai fazer e onde e quando? Quais as ligações que vai fechar? É verdade que vai fechar a ligação fluvial ao Seixal, por exemplo? Vai fazer reduções de 15% na oferta em Lisboa e de 10% no Porto? E sempre com critérios de natureza financeira? E já agora deixe-me dizer-lhe que a CARRIS reestruturou recentemente a sua rede, ou será que não conhece a rede 7?
- Quais são as receitas extra-exploração que vai obter e quando?
- Quais são os aumentos tarifários e quando?
- Vai continuar a não utilizar o tarifário como instrumento de regulação da procura?
- Qual o impacte financeiro do encerramento de todas as linhas e serviços ferroviários de Norte a Sul? E qual o impacte económico nas regiões que servem? O senhor que gosta tanto de criticar as dezenas de antecessores que teve, diga lá Vossa Excelência quais foram os estudos sócio-económicos que fez, quais são os autores e quando os envia à AR?
- Quanto ao transporte flexível, concordando nós com as dissertações genéricas que são feitas, gostaríamos de saber onde e como serão concretizados? Quanto custa? Quem paga?
Mas senhor Ministro, como se podem encontrar oportunidades em tempos de crise, não lhe ocorreu que poderia alterar o paradigma de financiamento dos transportes ao invés de encerrar, encerrar, despedir e encarecer?
E que tal um novo modelo de financiamento, cujas portas foram abertas pela Lei nº 1/2009 que cria em definitivo as Autoridades Metropolitanas de Transportes de Lisboa e do Porto?
As duas vias para alterar de forma sustentável e permanente o modelo de financiamento dos transportes são: aumentar a procura (e o senhor tudo fará para que isso não aconteça, reduzindo a oferta e aumentando os preços) e encontrar mecanismos de apropriação para o sistema de transportes dos benefícios económicos gerados pelo próprio sistema. E a lei 1/2009 permite-lhe fazer isso em coordenação com as Autarquias. Porque não reverter para o sistema de transportes parte das receitas do ISP e dos Impostos sobre o Património?
Portanto, acabar com o serviço e penalizar as pessoas é uma opção ideológica deste governo.
2ª fase – Abertura à iniciativa privada
O Senhor Ministro limpa o sistema, faz uma purga nos trabalhadores, assume a dívida em nome dos contribuintes e depois entrega as empresas aos privados.
Sobre a abertura aos privados, em si mesma, não temos definitivamente uma posição nem contra nem a favor, mas não entendemos com base em quê afirma que os níveis de eficiência das empresas públicas estão abaixo das privadas. Quais são os estudos que fez? Quem os fez? E quando nos envia esses estudos?
O que queremos saber também é qual o impacte financeiro e sobre o emprego desta medida?
Queremos também saber se já concertou estas medidas com as Autarquias das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, pelo menos no âmbito das Autoridades Metropolitanas de Transportes?
E, já agora, já concertou com as Autarquias a transferência de competências? E já acordou as verbas que também necessariamente serão transferidas?
É que, sabe Senhor Ministro, em Portugal existe o poder central e o poder local….
5)         Sistema marítimo-portuário
Ficamos satisfeitos pelo reconhecimento feito ao trabalho dos últimos anos traduzido essencialmente pela continuidade da política.
Mas, ainda assim, gostaria de colocar algumas perguntas:
- Quanto à alteração do modelo de governance. O novo modelo terá em conta o modelo landlord port de cada porto, o modelo de co-opetition na relação entre portos e a necessidade de articulação com o tecido empresarial regional, tão distinto de região para região no país? Quem está a fazer esse estudo? Quais as vantagens financeiras e económicas do novo modelo? Quando será concretizado?
- Quanto à actividade portuária e trabalho portuário. Tem Vossa Excelência conhecimento que a maioria PSD/CDS-PP rejeitou em 2009 a nossa proposta de Lei dos Portos que acolhia as suas preocupações?
- O que defende para o trabalho portuário?
- Quanto ao investimento nos portos. Devo confessar que esta lista mais parece as listas dos velhos PIDDAC’s, mas ainda assim gostaria de fazer algumas perguntas:
- Viana do Castelo – O que vai fazer com os acessos, uma vez que esses são os principais condicionantes ao seu crescimento?
- Aveiro – E as acessibilidades marítimas? E a electrificação da linha férrea?
- Lisboa – Vossa Excelência que é tão publicamente contra projectos megalómanos, sem prejuízo da nossa opinião sobre o assunto, quais as acessibilidades rodo e ferroviárias ao Terminal da Trafaria? Onde estão os estudos de viabilidade física e sócio-económica? Como chegam os contentores a Lisboa? Com uma nova ponte ou túnel? Teve em conta a capacidade instalada na região e no País? Quanto custa? É para fazer ou é só uma declaração de estado de alma?
- Setúbal – Conheço bem o projecto de expansão do terminal da SAPEC, tive com o Dr. Eduardo Catroga várias reuniões sobre o assunto. Gostaria de saber se a solução adoptada salvaguarda a área de expansão do porto, ou seja, irá ser adoptada a solução resultante do grupo de trabalho criado para estudar o assunto? E as acessibilidades marítimas para passar os fundos para -12.5 em qualquer maré, porque não foram contempladas quando são essenciais para acolher navios porta-contentores importantes para viabilizar o terminal multiusos?
6)         Logística e mercadorias
Estimo muito em saber que Vossa Excelência dará continuidade ao trabalho anterior, num espírito de aposta na iniciativa privada e de modernização e simplificação administrativa, com a janela única logística, tal como estava previsto no Portugal Logístico.
Quanto ao transporte ferroviário de mercadorias, apenas tenho três coisas a dizer:
- Primeira – O Senhor apenas vai avaliar. Diga-nos, por favor, quando vai acabar a avaliação? E, já agora, quanto ao transporte rodoviário de mercadorias, tem alguma coisa a dizer?
- Segunda – Alta Velocidade. Este governo, como qualquer outro, tem a legitimidade democrática para decidir o que entender, independentemente de concordarmos ou não sobre a melhor solução. Mas ó Senhor Ministro diga lá afinal, por favor, qual a sua solução? Como compatibiliza com o Programa Connecting Europe apresentado pelo Presidente da Comissão Europeia a semana passada? Quais os estudos de viabilidade económico-financeira da sua solução? É que não se deve dizer que não se acredita nos estudos dos outros e depois fundamentar as suas próprias decisões  feelings… nos envia esses estudos? Quem os fez? Quanto custa? Quando faz o debate público da solução como foi feito em 2008? Quando encarrega o LNEC, como foi feito, de comparar soluções? Senhor Ministro, a bem da transparência diga lá como é?
- Terceira – Regulação. Não acha que vai a um pormenor incompatível com as ideias vagas do resto do documento. E nem sequer fala de interoperabilidade….
7)         Transporte aéreo
Faz uma declaração de intenções. Qual o modelo e processo de privatização da TAP e da ANA? Qual a expectativa de encaixe? Quando se concretiza? Como salvaguarda no caderno de encargos as questões relacionadas com o hub nacional e de Lisboa?
8)         Governance e Regulação
Quando? Quais as poupanças? Quais os despedimentos? Qual o destino da descentralização?
9)         Comentários finais
Senhor Ministro, lamento dizer-lhe mas o que nos trás aqui não é nem um plano estratégico nem de transportes e muito menos de mobilidade sustentável.
Não segue a metodologia dos instrumentos de ordenamento do território. Não tem objectivos estratégico ou específicos de cada sector, nem operacionais. Não estabelece cenários de crescimento. Não propõe medidas, metas financeiras, temporais ou de qualidade. Não tem uma avaliação financeira do plano. Não tem uma metodologia de execução, acompanhamento da execução e de avaliação. Não fixa os instrumentos para a sua execução.
Pedimos ao governo que reveja o PET e exigimos que seja feita consulta pública. Se não for feita consulta pública faremos um requerimento para que a Comissão Parlamentar de Economia e Obras Públicas proceda às audições necessárias. Se esse requerimento não for aprovado, essas audições serão levadas a cabo pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Com este documento (muito para além da TROIKA) o Governo feriu de morte os princípios subjacentes a uma verdadeira mobilidade sustentável como instrumento de política social, de política de cidades, de política ambiental, de política energética e de política económica. Matérias que aliás ignora em todo o documento.
Constitui uma declaração de guerra aos sistemas de mobilidade, ignora tudo o que seja ordenamento do território, ambiente, alterações climáticas e política energética, segurança…
O que o Senhor Ministro aqui tem é um conjunto de ideias boas e originais. Infelizmente as boas não são originais e as originais não são boas.
Termino como o Senhor Ministro termina a introdução do PET: “este documento assume sem subterfúgios e de forma clara que mudaremos de vida”.
Sim mudaremos de vida. Mais pobres, com menos mobilidade, menos competitivos, inimigos do ambiente e, sobretudo, inimigos da qualidade de vida dos portugueses e do desenvolvimento de Portugal.

Ana Paula Vitorino - Deputada do PS
Comissão Parlamentar de Economia e Obras Públicas - 28 de Outubro de 2011

(É claro que o Sr. Ministro não respondeu a rigorosamente nada!!!)