Há uma dimensão trágica de fado em ré menor na forma como os comentadores concorrem com um brilho nos olhos e esgar de prazer ao enunciar as dificuldades que vive a economia portuguesa. É ainda mais soturno o tom quando, em vez de pedir rigor na execução do ainda fresco Orçamento, se deliciam na volúpia da antevisão das ainda mais terríveis provações que será necessário vir a adotar.
A metáfora de soap opera sobre grupo de auto-ajuda é óbvia quando a mesa redonda é formada por ex-ministros das Finanças ou ex-governadores do Banco de Portugal. Foi assim com a divulgação das previsões de Outono da Comissão Europeia e com o pacote de ajuda à Irlanda. A CE veio dar o braço a torcer face à incapacidade de previsão no final de 2010. Então o crescimento seria quase nulo para Portugal e nem dedicava uma linha a potenciais dificuldades com a dívida soberana. O apoio dos Estados às economias era elogiado discutindo-se a evolução suave das contas de modo a não afogar a incipiente retoma.
Com a Irlanda, ícone do liberalismo desregulado que se queimou na fogueira das vaidades de tornar uma economia semirrural numa praça financeira global, sucedem-se as justificações de inocência das políticas de direita perante as travessuras ingénuas dos bancos agora falidos. Em Portugal, pelo contrário, tudo é responsabilidade do Estado, até a crise global. O principal ativo de Sócrates são os resultados obtidos entre 2005 e 2008 e a superação das expetativas em 2010. O Governo Sócrates I teve os mais baixos défices em democracia, o maior crescimento da década em 2007, inovou na energia, eliminou burocracias, apostou na escola pública a tempo inteiro e reformou a segurança social e as finanças locais. Em 2010 o crescimento será o quádruplo do previsto pela Comissão Europeia e as exportações superam a antevisão dos magos economistas.
A questão central é explicar para que servem os sacrifícios do Orçamento, provar que não existem hesitações em matéria de equidade e liderar o diálogo social percebendo os sinais do grito de alma que foi a greve. Um discurso de vistas curtas reduzido à mera subordinação acrítica à ditadura sem rosto dos mercados não mobiliza ninguém para os desafios reais do crescimento e de mais e melhor emprego num ambiente inovador e competitivo. Passos Coelho já se rendeu a ser parceiro menor do FMI, cabe a Sócrates nas próximas semanas mostrar liderança da agenda, mensagem mobilizadora e alma e nervos para enfrentar as tentações dos poderes ocultos.
Um comentário:
Caros Amigos,
Fiz link para "A Carta a Garcia".Obrigado.
OC
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