Enquanto Portugal assiste a um crescendo de tensão pouco racional antecedendo a apresentação do Orçamento para 2011, as Nações Unidas fazem esta semana uma cimeira de balanço dos Objetivos do Milénio, aprovados em 2000 para serem atingidos até 2015. É chocante a diferença de mundos em que coabitamos no mesmo planeta.
Portugal vive a saída da maior crise global num ambiente de revanchismo ideológico relativamente aos maiores sucessos da nossa democracia - o aumento da justiça social que permitiu notáveis sucessos na saúde (mais baixa mortalidade infantil que os EUA ou liderança mundial nos transplantes de rins) e na educação (erradicação do analfabetismo nas novas gerações e frequência do pré-escolar superior à média da OCDE). Foi esta a opção de três décadas de democracia e não a livre escolha para os que têm recursos aumentando as desigualdades. Para a ONU, os desafios reais são reduzir para metade até 2015 as pessoas com fome e os que vivem com menos de um dólar por dia, garantir a escolaridade básica, começar a reduzir as vítimas da sida, malária e tuberculose e garantir o acesso de todos a água potável.
Os resultados até 2008 eram encorajadores. Baixou em 400 milhões os que vivem com menos de um dólar por dia, atingiu-se 89% de frequência da escola nos países mais pobres, a mortalidade infantil baixou 28%. A crise mundial veio travar esta mudança. Calcula-se que 830 milhões tenham fome em 2010, ultrapassando os 817 milhões de 1990. É este escândalo global que exige resposta imediata dos beneficiários da globalização. Houve progressos na redução da pobreza na China ou no Brasil ou pequenos ovos de Colombo, como o programa de fornecimento de mosquiteiros que reduziu as vítimas da malária em S. Tomé. Entre os lusófonos, Cabo Verde é um exemplo de sucesso no combate à pobreza e Moçambique tem feito progressos na literacia e na saúde, o que torna ainda mais vergonhosa a situação de Angola, onde mais de metade da população não sabe ler nem tem água potável.
Portugal tem de ser solidário no plano mundial e estabelecer os seus Desafios do Milénio com um consenso alargado até 2020 (qualificação das pessoas, metas ambientais e criação de emprego) abandonando um debate menor sobre décimas da execução orçamental. É desastroso para o nosso futuro num mundo em crise que a resposta dos portugueses à necessidade de mudar de vida e ter objetivos a longo prazo tenha sido um aumento de 40% das venda de automóveis, 30% nos novos telemóveis e de 22% novos cartões de crédito. Só temos um país para mudar, só temos um planeta para salvar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário