"O Mundo acorda e adormece sem que ninguém o embale.


Ainda assim, estou disposta a oferecer-lhe a minha canção."




quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A hora da maturidade - Eduardo Cabrita - Correio da Manhã

A hora da maturidade - Eduardo Cabrita - Correio da Manhã


O sistema semipresidencial, assente na legitimidade da eleição direta e no poder de dissolver o parlamento, está baseado na convivência com governos emergentes de um sistema eleitoral que dificulta a formação de maiorias absolutas. Em dez anos, Eanes conviveu com nove governos, um socialista minoritário, a que sucederam três de iniciativa presidencial e cinco de coligação com maiorias, que nunca completaram a legislatura.
O fracasso do PRD e a canibalização do CDS por Cavaco Silva alteraram a perceção do sistema, transformando a maioria absoluta num sonho realizável.
Guterres, que colocou Portugal no euro e teve as maiores taxas de crescimento com justiça social, soçobrou, qual Ícaro político, à angústia de ter ficado tão perto da mítica maioria ("um pouco mais de sol eu era além" para citar o Sá Carneiro poeta...). A maioria absoluta de Sócrates foi um notável golpe de asa, fruto da conjugação da frescura reformista com laivos de terceira via, que alargou o PS ao centro com o grau zero da "má moeda" política representado por Santana Lopes. O renascimento do CDS, a emergência do BE, esse partido de classe média urbana erigido sobre as ruínas de grupúsculos de extrema-esquerda, e a resiliência histórica do PCP trouxeram Portugal de volta às origens do seu sistema constitucional destinado a repartir o poder .
Na maioria dos países europeus, com exceção da França entre os grandes da União Europeia, existem governos de coligação ou assentes numa intensa negociação parlamentar de orçamentos e leis estruturantes (agora até no Reino Unido). A atual situação de emergência financeira que Portugal enfrenta obriga a que a segunda geração da nossa democracia dê provas de maturidade. Governar é a arte da mobilização inteligente dos setores mais inovadores de um povo tão dado a sentimentos depressivos.
Chegar a acordos claros não é sinal de fraqueza, mas sim de capacidade de liderança e de partilha de responsabilidades. Mais do que um orçamento indispensável para reconquistarmos a liberdade de escolha perante a autocracia dos mercados, cabe a Sócrates provar que a esquerda pode governar sem maioria absoluta e a Passos Coelho demonstrar que não será mais um fogacho, o quinto, de uma direita que não vive sem poder. Senão, a irresponsabilidade económica devorará toda a incapacidade política...

Nenhum comentário: