"O Mundo acorda e adormece sem que ninguém o embale.


Ainda assim, estou disposta a oferecer-lhe a minha canção."




quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O Império contra-ataca - Eduardo Cabrita - Correio da Manhã




Aprovado o Orçamento, com as dores de parto de um défice democrático com tiques autoritários que confunde negociação transparente com fraqueza e falta de virilidade política, é tempo de voltar aos desafios reais e voltar a colocar no centro da agenda as visões alternativas para o nosso modelo de desenvolvimento.

A incapacidade de explicação dos dois últimos anos de crise dos países mais desenvolvidos, diria crise do capitalismo de especulação financeira e imobiliária, com base na cartilha monetarista das últimas décadas tem provocado um movimento, tanto em Portugal como em toda a Europa, que face à incapacidade de encontrar respostas mobilizadoras tenta impor um pensamento único sem legitimidade democrática. O Orçamento português é tão inevitável quanto injusto e recessivo (défice inferior ao de Espanha, França ou Reino Unido em 2011) para uma pequena economia periférica.

As declarações da sra. Merkel no Conselho Europeu acentuaram, pelo seu chauvinismo germanocêntrico, a pressão sobre o tigre ferido irlandês, Espanha e Portugal. A possibilidade de aplicação de sanções a países salvo se existir uma maioria qualificada negativa representa a capitulação dos governos eleitos perante a ortodoxia sem rosto do eixo Bruxelas-Frankfurt. Cada vez mais, o que está em causa é a sobrevivência do projeto europeu perante o regresso de equilíbrios neo-imperiais pré-I Guerra Mundial. A degenerescência da frontalidade do combate político parece conduzir perigosamente a um primado gelatinoso do modelo "Homem sem Qualidades". (Onde estão perdidos os filhos de Delors, Khol ou Willy Brandt?)

É por isso também que, neste quadro de nevoeiro europeu, as eleições presidenciais de Janeiro assumem uma importância que vai muito para lá da rotineira reeleição do mais apagado presidente da nossa democracia. Cavaco Silva é o decano dos políticos, no ativo desde 1979, cultivando a mitologia do professor de finanças acima da política (vide a lenda da rodagem do carro). A crise económica e a manifesta turbulência e impreparação da liderança do PSD e a inconsistência política de largos setores do Governo Sócrates II dão espaço para um discurso perigoso de releitura tutelar dos poderes do Presidente-Economista. A reeleição aclamatória do antipolítico é uma perigosa ameaça à maturidade do sistema político. Os que sonham com a centralidade política do Palácio de Belém estão para além da revisão constitucional do PSD, desejam uma rutura constitucional disfarçada de eleição presidencial.



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